Norte Pioneiro, o futebol em agonia – Gramados do Norte Pioneiro viram terra estéril para o futebol
“O futebol daqui está morto.” As duras palavras saem com naturalidade da boca que mais deu ordens nos gramados da região. Serafim Meneghel comandou o União Bandeirante por quatro décadas. Hoje, é testemunha de um futebol que não existe mais. Casa de equipes que, por meio século, desafiaram os grandes do estado, o Norte Pioneiro tornou-se um cemitério de clubes. Uma a uma, as forças da região foram fechando as portas. Algumas tentaram voltar em versões genéricas, enfraquecidas e de curta duração.
R$ 3,7 bilhões
O Produto Interno Bruto (PIB) do Norte Pioneiro corresponde a apenas 3% do total do estado. A região é a terceira mais pobre do Paraná, em um total de dez mesorregiões.
12 equipes
Em 1962, o Norte Pioneiro teve sua maior participação no Campeonato Paranaense. O Comercial, de Cornélio Procópio, superou Operário e Esportiva de Jacarezinho no triangular final para levar o único troféu da região.
Sete anos
O União Bandeirante, em 2006, foi o único time do Norte Pioneiro na primeira divisão estadual. Neste ano, a região não tem clubes nas duas principais séries e dificilmente colocará alguém na Terceirona.
A última incursão no profissionalismo resume bem a situação. Com um histórico rico no amador, o União Nova Fátima, instigado por empresários paulistas, inscreveu-se na Terceirona do ano passado. Sem estádio e sem dinheiro, desistiu no meio da competição. Fora da elite desde 2007, o Norte Pioneiro não deve ter representante também nas duas divisões de acesso do estado este ano. Ausência registrada anteriormente apenas em 1955, 1957 e 2007.
Penúria no futebol que reflete a pobreza dos municípios. Entre as dez mesorregiões do Paraná, o Norte Pioneiro é a terceira mais pobre, segundo dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), com base no Censo de 2010. Responsável por 3% do PIB paranaense, vive na contramão do estado: é mais agrícola (22% do PIB) e menos industrializada (18%) que a média geral, de 7% e 28%, respectivamente.
Espelho da economia na pobreza e na riqueza. Os períodos de prosperidade, quase sempre puxados pelo café, enchiam de dinheiro o bolso dos fazendeiros e os estádios de torcedores e bons times. O primeiro clube a se aventurar no profissionalismo foi a Esportiva de Jacarezinho, em 1950. Na época, a cidade era o centro da produção cafeeira da região, sede de grandes fazendas com populosas vilas de colonos, ainda guardando resquícios da escravidão.
“O período entre o fim da Segunda Guerra e meados dos anos 60 é o auge do café na região. Os fazendeiros investiam na montagem de times como lazer. Contratavam, pagavam salário, davam bicho em mantimentos e pequenos objetos de luxo. Foi a lógica do futebol em todo o Norte até os anos 70”, conta o professor de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Rogério Ivano.
As duas décadas áureas do café são também o período mais glorioso do futebol do Norte Pioneiro. O ápice é em 1962, ano em que 12 equipes da região se inscrevem no Campeonato Paranaense. Duas – Comercial, de Cornélio Procópio, e Esportiva – chegam ao triangular final, contra o Operário. O Comercial leva pela primeira e única vez o título para esta parte do estadual.
Além da prosperidade econômica, o formato do Estadual estimulava a participação de equipes. O torneio era dividido em regiões. Havia um grupo só do Norte Pioneiro. Com acesso difícil a Curitiba – apenas parte da estrada era asfaltada –, os times recorriam a São Paulo e Minas Gerais para buscar jogadores. “Eu rodava o interior de São Paulo atrás de jogador e todos eles já tinham ouvido falar da Esportiva”, orgulha-se Pedro Chueire, 87 anos, diretor de futebol durante toda a existência do time de Jacarezinho. Potências nacionais como Palmeiras, São Paulo, Santos, Corinthians e Flamengo rodavam os municípios em concorridos amistosos.
O declínio começou na segunda metade dos anos 60. A unificação do Estadual encareceu o futebol e a queda do café tornou o dinheiro mais escasso. A geada de 1975 foi o golpe final. “O excesso de produção tornava o plantio menos vantajoso, havia muita concentração de terra e os cafezais já estavam velhos. A grande geada foi o cataclisma, jogou a pá de cal no café”, explica Ivano.
Sobreviveram apenas dois times de dono: o União Bandeirante, da família Meneghel, dona de usina e fazendas de cana de açúcar, e o Matsubara, dos Matsubara, barões do algodão. O clássico do Algodão Doce mantém o futebol vivo e forte no Norte Pioneiro entre os anos 70 e 90, um duopólio quebrado apenas pela Platinense, entre 1985 e 89.
A exemplo do que aconteceu com o café, o cultivo de algodão minguou no estado. A família Matsubara perdeu dinheiro e poder de investimento no time. A usina Meneghel retirou o apoio ao União em 2004. Em um futebol mais caro, dominado por empresários, os clubes resistiram pouco pelas próprias pernas.
“As mudanças na economia e no futebol prejudicaram a região. Hoje o futebol vive de marketing, e quem vai investir em uma região onde não se tem retorno de mídia nem massa crítica?”, constata Norio Matsubara, filho de Sueo e herdeiro do clube de Cambará. Herdeiro de um futebol que não existe mais.
Serafim Meneghel gostaria de continuar tocando o União
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Um Tigrão de muitas histórias e raras entrevistas, que recebeu a reportagem da Gazeta do Povo há dez dias, na Fazenda 3M, em Cambará, antiga propriedade de Sueo Matsubara. Ele ainda assimilava a morte do irmão mais velho e eterno vice-presidente do União, Paulo Meneghel, 90 anos, no dia 1º de janeiro. Ainda assim, por mais de uma hora, falou das histórias e lendas do clube mais forte que o Norte Pioneiro já teve.
Por que o União acabou?
O time nunca recebeu ajuda externa?
Por quê?
NOTA DA REDAÇÃO: O União vencia o segundo jogo por 2 a 1, resultado que lhe daria o título, e cedeu o empate nos acréscimos, o que provocou o terceiro jogo. O Londrina venceu a partida seguinte e sagrou-se campeão.
Foi o vice mais doloroso?
Os clubes tinham medo de jogar em Bandeirantes?
Invadiu muito o gramado?
Existe muita lenda em torno do senhor. A história do tiro na bola para não deixar bater um pênalti contra o União é verídica?
Por que o futebol da região acabou?
Pensa em reativar o clube?
Comenta-se que o Nilmar (atacante da seleção nascido na cidade) e o Fábio (goleiro do Cruzeiro, cuja mulher mora em Bandeirantes) procuraram o senhor para assumir o União.
Valeram a pena esses 40 anos?
Bandeirantes, o refúgio de um heroi da Copa de 58
A conversa na varanda fica mais animada quando um dos netos solta a provocação:
– Vô, aquele time era tão bom assim mesmo?
A resposta vem com a paciência de um papo familiar e a firmeza que o assunto exige:
– Sim.
A plateia não se satisfaz:
– Mas todo mundo? Não tinha ninguém que jogasse um pouco menos?
A negativa é imediata, o que leva à última tentativa:
– Nem o Zagallo, vô?
– O Zagallo era um pouco inferior, admite o vô, para o deleite dos netos.
O vô é Nilton De Sordi e “aquele time”, a seleção brasileira de 1958. De Sordi era o lateral-direito na primeira Copa do Mundo vencida pelo país. Não adianta, contudo, procurá-lo na histórica foto do time perfilado para a decisão com a Suécia. De Sordi jogou todas as partidas, exceto a final. Uma contusão muscular na semifinal contra a França o tirou do duelo do título e permitiu a Djalma Santos entrar para a eternidade.
A menos de um mês de completar 82 anos, De Sordi ainda traz no corpo marcas da campanha na Suécia. A musculatura anterior da coxa esquerda, aquela que o tirou da final, contrai de maneira diferente; a virilha dói no momento de alongar as pernas; um caroço na clavícula lembra o local exato da cotovelada que levou em uma disputa com o goleiro francês Claude Abbes. Nenhuma, porém, supera a doce lembrança do título.
“Como foi campeão, a lembrança sempre é boa”, conta, antes de comparar os mais ilustres companheiros de 58. “O Garrincha era mais espetáculo, gingava pra lá e pra cá, não dava para saber o que ele ia fazer. O Pelé era mais sério, preciso”, diz De Sordi, sentado na varanda da casa onde mora, em uma fazenda na zona rural de Bandeirantes.
A propriedade pertence a seu filho, Nilton de Sordi Júnior, prefeito de Bandeirantes entre 2001 e 2004. São 98 alqueires de terra, 72 dedicados ao cultivo de soja. Também há cinco tanques para criação de peixe, vazios há quase dez anos, quando o governo estadual mudou o programa de repovoamento de rios. A grande aposta é na produção em estufa de tomate dominador, que a fazenda fornece a duas redes de fast-food em Curitiba.
O campeão mundial mora com o filho há dois anos, quando deixou a paraibana João Pessoa a pedido da família. Há 20 anos De Sordi sofre de mal de Parkinson e a combinação longa distância-idade avançada dificultava o tratamento. Em Bandeirantes, ele é submetido a três sessões semanais de fisioterapia, para combater a rigidez muscular característica da doença.
A cidade é uma espécie de segunda casa. Em meados dos anos 60, após 16 anos de São Paulo, convenceu o clube paulista a liberá-lo para o União Bandeirante. Era a chance de morar na cidade da mulher, Cecília, e trabalhar no clube dirigido pelo concunhado Serafim Meneghel. Jogou um ano no União. “Na estreia dele, tomamos 4 a 0 do Arapongas”, diverte-se Serafim.
O concunhado ilustre ainda voltou ao São Paulo para encerrar a carreira, antes de fixar-se em Bandeirantes. Treinou o União por 15 anos. Inclusive o União mais forte da história, o vice-campeão estadual de 1971, time de Pescuma, Geraldo Roncatto, Tião Macalé, Nondas e a dupla caipira Paquito-Tião Abatiá.
“O time pegava firme. O Pescuma derrubava e o Geraldo pisava no cara. O Geraldo derrubava e o Pescuma pisava”, relembra o radialista Mauro Briganti, da Rádio Cabiúna, de Bandeirantes. “Era difícil ganhar da gente aqui e fora também”, confirma De Sordi, sorriso orgulhoso em contraste com a voz quase inaudível.
“Esse mundo é ingrato. Saber que aquele hominho subia mais que o Diamante [Negro, Leônidas da Silva], que o Cabecinha de Ouro [Baltazar], um tanto assim, hoje está numa cadeira de rodas”, lamenta Serafim.
De Sordi se encontra com o futebol do passado e o do presente cada vez que entra na sala de televisão da fazenda. Nas paredes, fotos dos tempos de seleção, São Paulo, União, XV de Piracicaba e Laranja Mecânica, time amador de Bandeirantes do início dos anos 70. Pela tela, acompanha com afinco o futebol de hoje em dia, especialmente do seu São Paulo.
“O Lucas é muito bom. É rápido e forte, toma pancada e não cai. Pena que foi embora”, diz sobre seu jogador preferido, com o encanto de quem faz questão de guardar só as boas lembranças do futebol.