Pressão popular freia salário de políticos

Em pelo menos 21 municípios do Paraná protestos de cidadãos fizeram propostas de redução do ganho fixo tramitarem nas Câmaras.

A comerciante Adriana de Oliveira, de Santo Antônio da Platina, município de 45 mil habitantes no Norte do Paraná, nem imaginava que sua primeira visita à Câmara da cidade, no mês passado, se tornaria notícia nacional. Ela queria explicações sobre o projeto que pretendia dobrar o salário dos parlamentares a partir de 2017. Em pouco tempo, o vídeo em que ela aparece discutindo com um vereador viralizou na internet.

Quatro dias depois, na segunda votação da proposta, moradores da cidade fecharam o comércio no meio da tarde e lotaram a Câmara para fazer coro à causa. A mobilização deu resultado e, ao invés de aumentarem o subsídio, os vereadores reduziram em 73% os salários da próxima legislatura. “Eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer”, admite a comerciante.

 

Santo Antônio da Platina virou exemplo.

Um levantamento feito pela Gazeta do Povo aponta que ao menos 20 outros municípios – a maioria de pequeno porte – possuem iniciativas pela redução salarial dos vereadores (veja no infográfico). A maior parte dos parlamentares dessas cidades tem como obrigação participar apenas de uma sessão semanal nas câmaras. Além de atividades em comissões e visitas nos bairros, a maioria mantém trabalho paralelo à função.

O movimento dos platinenses se compara à cena de multiplicação dos pães descrita na Bíblia. Foi essa a forma que o padre Porto de Jesus, de Mauá da Serra, encontrou para passar o recado aos vereadores da cidade de 8,5 mil habitantes, que fica a cerca de 230 km de Santo Antônio da Platina. Aproveitando a passagem do evangelho, ele pregou pelo corte de gastos da Câmara durante a missa.

O padre não agradou aos vereadores, que chegaram a pedir uma reunião com o bispo da região para conter os sermões. Mas ele ganhou seguidores entre a população, que, além de cobrar pela redução dos salários, impediu a interferência dos vereadores sobre o pároco. “É uma questão de justiça, de bem comum, então também faz parte da Igreja”, resume padre Porto.

Da multiplicação dos pães, a causa ganhou voz (ou miados) em Jacarezinho, também no Norte do estado, onde os vereadores baixaram os salários em 30%. O movimento, intitulado “Todo poder emana do povo”, ganhou o apelido de “gatos pingados” depois que um parlamentar debochou do tamanho inicial da mobilização. A vitória, para eles, é parcial, já que a proposta original previa salário mínimo para os vereadores.

A comerciante Adriana de Oliveira, apontada como precursora do movimento, comemora. “Quem sabe não é o início de uma mudança para o Brasil todo”. Enquanto isso não acontece, alguns platinenses – muitos que, como ela, nunca tinham pisado na Câmara – começam a organizar uma comissão de fiscalização do trabalho dos vereadores. “Parece que o espírito cidadão despertou em todos nós”, diz Adriana.

 

Cenário político intensifica a ação de manifestantes

O cenário nacional de insatisfação popular com os políticos colabora para a intensificação de movimentos populares como os que cobram a redução dos salários dos vereadores pelo Paraná. Reação à percepção de que os eleitos deixaram de representar os eleitores.

“Há o que podemos chamar de uma crise de representação. Os cidadãos percebem que os políticos estão apenas preocupados com sua carreira política, com vantagens pessoas e privilégios vindos do cargo”, avalia o cientista político Adriano Codato.

Apesar de concordar que os salários dos parlamentares locais devem respeitar o volume de arrecadação de cada cidade e a renda média da região do país onde está inserido, Codato destaca uma possível consequência para a diminuição brusca ou mesmo a falta de remuneração dos parlamentares: “Só os ricos poderiam se dedicar à política. Se a pessoa deixa ou suspende o exercício da sua profissão, ele precisa de meios para se sustentar”, aponta.

 

Verba extra

O presidente do Tribunal de Contas do Paraná (TC-PR), conselheiro Ivan Bonilha, chama a atenção para outra possível consequência da redução: a possibilidade de aumento de gastos em outras fontes. Nesta semana, por exemplo, o órgão notificou 45 prefeituras e Câmaras municipais do estado por uso abusivo de diárias no ano passado. “Melhor pagar um salário justo do que buscarem o dinheiro em outro lugar, a maioria difícil de fiscalizar”, diz.

Entidade de representação do legislativo municipal no estado, a Associação de Câmaras e Vereadores do Paraná (Acampar) vê irresponsabilidade nos movimentos populares. “Quando se preza por um vereador bem preparado e remunerado, ele se torna mais independente em relação ao Executivo e menos suscetível à corrupção”, diz o presidente da Acampar, vereador Júlio César Makuch (PSD), de Prudentópolis.

 

 

FONTE – GAZETA DO POVO